O meu filho tem dois anos e não fala… O que fazer?
Last Updated on 15/10/2015′ by
O meu filho tem dois anos e não fala… O que fazer?
Lembro que minha irmã do meio (com 2 anos) não falava, embora fosse bem esperta e atenta a tudo, não abria a boca para falar. Ela se comunicava fazendo sons e apontava com o dedinho o que queria mostrar ou pedir. Até hoje minha mãe diz – “A Lydiane, só falou aos 3 anos”. Isso ficou na minha mente e só pude entender que não foi nada sério ou anormal depois que me tornei mãe, até porque, depois que ela começou a falar, não parou mais e até hoje “fala pelos cotovelos” (risos).
O meu filho tem dois anos e não fala… O que fazer?
Ao longo do desenvolvimento os pais saboreiam cada etapa e anseiam os próximos ganhos dos filhos. Ficam orgulhos quando estes os presenteiam com as suas conquistas e aprendizagens, quando conseguem sentar, gatinhar, andar, falar…
Muitas vezes os pais sentem-se impacientes e com dúvidas face ao desenvolvimento normal das crianças, tendendo a comparar o seu filho com as crianças que os rodeiam. Surgem, então, perguntas como “O meu filho tem dois anos, será que já devia falar?”, “Por que é que já disse algumas palavras e agora já não diz?”, “Por que razão as outras pessoas não entendem o que ele diz se eu percebo tudo?”, “Será que os sons que troca são normais para a idade?”.
Assim como o andar, para que a criança comece a falar é necessário a presença de outros pré-requisitos. Antes do surgimento das primeiras palavras é essencial que a criança já tenha desenvolvido competências comunicativas e linguísticas.
Comunicação, Linguagem e Fala são conceitos distintos que não devem ser confundidos.
Comunicação
Desde os primeiros dias de vida as crianças são capazes de comunicar as suas necessidades e afetos através do choro, do olhar e do sorriso intencional, bem como da partilha de brinquedos com os cuidadores, potenciando o desenvolvimento das relações interpessoais.
Linguagem
Através destas partilhas a criança começa a perceber o mundo que a rodeia. Inicialmente compreende conceitos e associa-os a objetos ou situações, progredindo para a compreensão de frases. Numa fase inicial a criança ainda não é capaz de produzir palavras, mas à medida que as suas competências linguísticas se tornam mais ricas e as suas competências oromotoras mais maduras a criança está apta para produzir as primeiras palavras.
Fala
A fala representa a forma de comunicação mais elaborada que a criança pode utilizar para expressar as suas aprendizagens e conhecimentos. Exige a ausência de alterações anatômicas bn ‘…m. e funcionais ao nível das estruturas envolvidas na produção de fala (ex: língua, palato, músculos faciais…), bem como competências linguísticas que lhe permitam falar sobre os seus interesses e as situações em que participa.
Para perceber se o seu filho segue um desenvolvimento “saudável” é importante atender a alguns marcos do desenvolvimento da comunicação, linguagem e fala.
0 – 1 Ano
- estabelece contacto ocular com os interlocutores durante as interações comunicativas;
- responde ao nome;
- chora, ri, balbucia em resposta ao interlocutor;
- reconhece nomes de familiares e alguns objetos da sua rotina;
- produz sílabas em sequência (ex: [pa pa pa]);
- gosta de jogos de esconde-esconde;
- associa objetos à função (ex: pega na escova para pentear);
- surgimento das primeiras palavras.
1 – 2 Anos
- compreende perguntas (ex: Onde está o papá?);
- reconhece partes do corpo;
- faz jogos de faz-de-conta;
- diminui o uso de gestos e usa cada vez mais a fala para comunicar;
- expressa cerca de 30 palavras diferentes;
- junta dois elementos na tentativa de formar frases (ex: popó papá);
- até aos dois anos é esperado que já seja capaz de produzir todas as vogais e sons correspondentes às letras: <p,t,c,b,d,g,m,n e nh>.
2 – 3 Anos
- compreende e usa vocabulário mais diversificado;
- conversa usando frases simples com 3 a 4 palavras;
- expressa-se de forma cada vez mais clara;
- demonstra interesse em como e porquê as coisas funcionam;
- escuta e reconta pequenas histórias;
3 – 4 Anos
- brinca com outras crianças de forma mais apropriada;
- compreende noções temporais;
- reconta histórias cada vez mais longas;
- utiliza conjunções (ex: por isso, porque).
4 – 6 Anos
- vocabulário mais elaborado, preciso e abstrato;
- compreende utiliza conceitos de tempo (ex: hoje, amanhã, tarde, noite) e conceitos de quantidade (ex: mais/menos)
- gosta de brincar com sons e palavras (ex: dividir palavras em sílabas, lengalengas e rimas);
- define conceitos pela função e pela categoria (ex: a banana serve para comer e é uma fruta);
- até aos 5 anos é esperado que seja capaz de produzir os sons correspondentes às letras: <f,v,s,z,ch,j>;
- os sons correspondentes às letras R, r e lh podem surgir depois dos 5 anos e os grupos e encontros consonantais (ex: prato e corda) podem surgir até por volta dos 6 anos.
Há alguns sinais/comportamentos que podem auxiliá-lo a identificar se deve estar alerta para o desenvolvimento do seu filho, identificando a necessidade de pedir ajuda:
0 – 1 ano
- Não reage à estimulação sonora;
- Não reage ao outro;
- Não mantém contacto ocular;
1 – 2 anos
- Não brinca;
- Não compreende ordens simples ex.: “Dá a bola”;
- Não combina duas palavras para formar frases Ex.: “Papá carro”;
2 – 3 anos
- Não forma frases;
- Discurso pouco compreensível;
4 – 5 anos
- Leque de vocabulário pouco diversificado;
- Diz palavras pouco inteligíveis;
- Tem um discurso incoerente;
- Tem dificuldade em recontar histórias ou em narrar acontecimentos da sua rotina;
Muitos pais acreditam que a entrada para o 1º Ciclo pode ser uma solução para algumas das lacunas apresentadas pelos filhos. No entanto, esta não deve ser encarada como a opção aceitável. Se as dificuldades que uma criança apresenta durante a idade pré-escolar não forem resolvidas precocemente, poderão repercutir-se em dificuldades na aprendizagem da leitura e da escrita, comprometendo o sucesso escolar e consequentemente o seu desenvolvimento psicossocial.
Outras crianças apresentam, durante a idade pré-escolar, um desenvolvimento aparentemente adequado à sua faixa etária, no entanto, à entrada para a escola observam-se dificuldades no processo de aprendizagem da leitura e escrita, que podem estar associados a déficits linguísticos, não identificados anteriormente através da fala.
De algumas dificuldades que possam surgir destacam-se:
- troca de letras;
- omissão de letras e sílabas;
- união de palavras;
- dificuldade na escrita de frases;
- dificuldade em extrair significado do que lê.
No caso de identificar um ou mais destes sinais, ou se tiver dúvidas quanto ao desenvolvimento do seu filho, pode recorrer a profissionais especializados no desenvolvimento da criança que o esclareçam.
Os Terapeutas da Fala são os profissionais responsáveis pela avaliação e intervenção nas perturbações da comunicação, linguagem, fala, motricidade oro facial e alimentação, podendo ajudá-lo a compreender o que faz parte de um desenvolvimento adequado daquele que necessita de auxílio especializado.
Lembre-se que para consultar um Terapeuta da Fala não é necessário que a criança apresente um diagnóstico clínico. Muitas delas podem evidenciar pequenas lacunas que com recurso a estratégias e alterações dos comportamentos dos cuidadores podem ser solucionadas, quando detetadas precocemente.
Por Inês Carneiro e Marta Sousa, Terapeutas da Fala